domingo, 17 de outubro de 2010

O vendedor de palavras


Ouviu dizer que o Brasil sofria de uma grande falta de palavras. Em um programa de TV, viu uma escritora lamentando que não se liam livros nesta terra, por isso as palavras estavam em falta na praça. O mal tinha até nome de batismo, como qualquer doença grande, "indigência lexical". Comerciante de tino que era, não perdeu tempo em ter uma idéia fantástica. Pegou dicionário, mesa, cartolina e saiu ao mercado cavar espaço entre os camelôs.

Entre uma banca de relógios e outra de lingerie instalou a sua: uma mesa, o dicionário e a cartolina na qual se lia: "Histriônico - apenas R$ 0,50"!

Demorou quase quatro horas para que o primeiro de mais de cinquenta curiosos parasse e perguntasse:

- O que o senhor está vendendo?
- Palavras, meu senhor. A promoção do dia é "histriônico" a cinquenta centavos, como diz a placa.

- O senhor não pode vender palavras . Elas não são suas. Palavras são de todos.
- O senhor sabe o significado de "histriônico"?
- Não.

- Então o senhor não a tem. Não vendo coisas que as pessoas já tem ou coisas de que elas não precisam.
- Mas eu posso pegar essa palavra de graça no dicionário.

- O senhor tem dicionário em casa?
- Não. Mas eu poderia muito bem ir a uma biblioteca pública e consultar um.

- O senhor estava indo a biblioteca?
- Não.Na verdade, eu estou a caminho do supermercado.

- Então veio ao lugar certo. O senhor está para comprar o feijão e o alface, pode muito bem levar para casa uma palavra por apenas cinquenta centavos de real!
- Eu não vou usar essa palavra. Vou pagar para depois esquecê-la?

- Se o senhor não comer a alface ela acaba apodrecendo na geladeira e terá de jogá-la fora e o feijão caruncha.
- O que pretende com isso? Vai ficar rico vendendo palavras?

- O senhor conhece Nélida Piñon?
- Não.
- É uma escritora. Esta manhã, ela disse na televisão que o pais sofre com a falta de palavras, pois os livros são muito pouco lidos por aqui.

- E por que o senhor não vende livros?
- Justamente por isso. As pessoas não compram as palavras no atacado, portanto eu as vendo no varejo.

- E o que as pessoas vão fazer com as palavras? Palavras são palavras, não enchem barriga.
- A escritora também disse que cada palavra corresponde a um pensamento. Se temos poucas palavras, pensamos pouco. Se eu vender uma palavra por dia, trabalhando duzentos dias por ano, serão duzentos novos pensamentos cem por cento brasileiros. Isso sem contar os que furtam o meu produto. São como trombadinhas que saem correndo com os relógios do meu colega aqui do lado. Olhe aqauela senhora com o carrinho de feira dobrando a esquina. Com aquela carinha de dona-de-casa, ela nunca me enganou. Passou por aqui sorrateira. Olhou minha placa e deu um sorrisinho maroto se mordendo de curiosidade. Mas nem parou para perguntar. Eu tenho certeza de que ela tem um dicionário em casa. Assim que chegar lá , vai abrí-lo e me roubar a carga. Supondo que para cada pessoa que se dispõe a comprar uma palavra, pelo menos cinco a roubarão. Então eu provocarei mil pensamentos novos em um ano de trabalho.

- O senhor não acha muita pretensão? Pegar um ...
- Jactância.

- Pegar um livro velho...
- Alfarrábio.

- O senhor me interrompe!
- Profaço.

- Está me enrolando, não é?
- Tervegisando.

- Quanta lenga-lenga...
- Ambages.

- Ambages?
- Pode ser também "evasivas".

- Eu sou mesmo um banana para dar trela para gente como você!
- Pusilânime.

- O senhor é engraçadinho, não é?
- Finalmente chegamos: histriônico!
- Adeus.

- Ei! Vai embora sem pagar?
- Tome seus cinquentas centavos.

- São três reais e cinquenta.
- Como é?

- Pelas minhas contas, são oito palavras novas que eu acabei de entregar para o senhor. Só histriônico estava na promoção, mas como o senhor se mostrou interessado, faço todas pelo mesmo preço.
- Mas oito palavras seriam quatro reais, certo?

- É que quem leva ambages ganha uma evasiva, entende?
- Tem troco para cinco?


(Fábio Reynol)

domingo, 10 de outubro de 2010

“Marina, morena Marina, você se pintou”



“Marina, morena Marina, você se pintou” – diz a canção de Caymmi. Mas é provável, Marina, que pintaram você. Era a candidata ideal: mulher, militante, ecológica e socialmente comprometida com o “grito da Terra e o grito dos pobres”, como diz Leonardo.

Dizem que escolheu o partido errado. Pode ser. Mas, por outro lado, o que é certo neste confuso tempo de partidos gelatinosos, de alianças surreais e de pragmatismo hiperbólico? Quem pode atirar a primeira pedra no que diz respeito a escolhas partidárias?
Mas ainda assim, Marina, sua candidatura estava fadada a não decolar. Não pela causa que defende, não pela grandeza de sua figura. Mas pelo fato de que as verdadeiras causas que afetam a população do Brasil não interessam aos financiadores de campanha, às elites e aos seus meios de comunicação. A batalha não era para ser sua. Era de Dilma contra Serra. Do governo Lula contra o governo do PSDB/DEM. Assim decidiram as “famiglias” que controlam a informação no país. E elas não só decidiram quem iria duelar, mas também quiseram definir o vencedor. O Estadão dixit: Serra deve ser eleito.


Mas a estratégia de reconduzir ao poder a velha aliança PSDB/DEM estava fazendo água. O povo insistia em confirmar não a sua preferência por Dilma, mas seu apreço pelo Lula. O que, é claro, se revertia em intenção de voto em sua candidata. Mas “os filhos das trevas são mais
espertos do que os filhos da luz”. Sacaram da manga um ás escondido.Usar a Marina como trampolim para levar o tucano para o segundo turno e ganhar tempo para a guerra suja.

Marina, você, cujo coração é vermelho e verde, foi pintada de azul. “Azul tucano”. Deram-lhe o espaço que sua causa nunca teve, que sua luta junto aos seringueiros e contra as elites rurais jamais alcançaria nos grandes meios de comunicação. A Globo nunca esteve ao seu lado. A Veja, a FSP, o Estadão jamais se preocuparam com a ecologia profunda. Eles sempre foram, e ainda são, seus e nossos inimigos viscerais.

Mas a estratégia deu certo. Serra foi para o segundo turno, e a mídia não cansa de propagar a “vitória da Marina”. Não aceite esse presente de grego. Hão de descartá-la assim que você falar qual é exatamente a sua luta e contra quem ela se dirige.

“Marina, você faça tudo, mas faça o favor”: não deixe que a pintem de azul tucano. Sua história não permite isso. E não deixe que seus eleitores se iludam acreditando que você está mais perto de Serra do que de Dilma. Que não pensem que sua luta pode torná-la neutra ou que pensem que para você “tanto faz”. Que os percalços e dificuldades que você teve no Governo Lula não a façam esquecer os 8 anos de FHC e os 500 anos de domínio absoluto da Casagrande no país cuja maioria vive na senzala. Não deixe que pintem “esse rosto que o povo gosta, que gosta e é só dele”.

Dilma, admitamos, não é a candidata de nossos sonhos. Mas Serra o é de nossos mais terríveis pesadelos. Ajude-nos a enfrentá-lo. Você não precisa dos paparicos da elite brasileira e de seus meios de comunicação. “Marina, você já é bonita com o que Deus lhe deu”.



Maurício Abdalla [1]


[1] Professor de filosofia da UFES, autor de Iara e a Arca da Filosofia (Mercuryo Jovem), dentre outros.

O valor do tempo

É impressionante o poder que algumas pessoas têm de inverter o valor das coisas.

E uma dessas inversões bem marcante é a que se tenta fazer com o valor do tempo.

Algumas apostilas de treinamento para vendedores, administradores, gerentes e outros tipos de profissões, buscam massificar a ideia de que tempo é dinheiro.

Buscam incutir na cabeça das pessoas que elas são máquinas de produzir lucros e mais lucros. Cada minuto é importante para cumprir metas estabelecidas visando apenas resultados financeiros.

Esse tipo de treinamento tem ganhado espaço nas empresas que adotam essa filosofia.

Todavia, as pessoas não são máquinas de fazer dinheiro, são seres que sonham conquistar a própria felicidade e esta não está vinculada aos bens materiais, às posses financeiras.

É importante lembrar que os funcionários são gente. São pais, esposos, filhos.

Se perguntássemos a um milionário que acabou de perder um filho quanto vale o sorriso de seu filho, ele certamente responderia que vale todo o dinheiro do mundo mas, infelizmente, descobriu isso tarde demais.

Por essa razão, tempo também foi feito para ser gasto com os filhos.

Quanto vale seu casamento?

Muitas pessoas só se dão conta da riqueza do casamento depois da separação, quando descobrem que perderam o grande amor da sua vida por causa das muitas horas dedicadas exclusivamente ao trabalho.

Por essa outra razão, tempo também serve para ser compartilhado com a pessoa amada.

Quanto vale um amigo verdadeiro?

Talvez isso só possa ser aquilatado nos momentos difíceis, quando nos damos conta de que todos se afastaram por causa da nossa cegueira, que só nos permitia usar o tempo para engordar a conta bancária.

Por mais essa razão, tempo também existe para ser investido na conquista e manutenção das amizades, que nos garantem um ombro amigo quando dele necessitamos.

O que precisamos avaliar, de fato, é por quais metas estamos lutando.

Será que tem valido a pena tanta correria? Tanto cansaço? Tanto estresse?

É importante pensar na conquista da felicidade, sim. Felicidade que nem sempre o dinheiro proporciona.

É importante repensar o valor do tempo.

A autorrealização é uma meta indispensável que pode ser alcançada com a boa utilização do tempo.

Trabalhar é importante e necessário para o progresso geral e individual mas sentir prazer no que faz é essencial.

A maioria das pessoas passa a vida procurando sentir-se importante para ter a sensação do sucesso.

Mas sucesso sem qualidade de vida não é sucesso, é ilusão.

E qualidade de vida é ter a consciência tranquila por não violar as leis, por não trapacear, por não se corromper nem corromper a ninguém.

Qualidade de vida é conviver em harmonia com a família, com os amigos, consigo mesmo.

Se ter abastança financeira fosse garantia de felicidade, pessoas ricas jamais sentiriam tristeza, solidão ou outro desgosto qualquer.

Por isso, vale a pena avaliar com muita atenção essa proposta enganosa de que tempo é dinheiro, que visa a enriquecer os bolsos dos interessados.

Não caiamos nessa armadilha. Usemos o tempo que Deus nos empresta para construir a nossa verdadeira felicidade e a daqueles que nos rodeiam.

* * *

A profissão é instrumento de progresso e realização do ser humano. Deve servir para a construção de algo bom e útil em prol da sociedade em que se vive.

E nem sempre ganhar dinheiro proporciona essa realização.

O médico sanitarista Oswaldo Cruz não estava preocupado com o contracheque quando travou uma batalha com a febre amarela e descobriu sua vacina.

O compositor Villa Lobos não compôs suas melodias de olho na conta bancária.

E se Albert Einstein tivesse a ilusão de que tempo é dinheiro, jamais teria legado à Humanidade o fruto de suas pesquisas científicas.

Pense nisso e lembre-se sempre: tempo é oportunidade.

sábado, 2 de outubro de 2010

Prato de Arroz

"Um sujeito estava colocando flores no túmulo de um parente quando vê um  chinês colocando um prato de arroz na lápide ao lado. Ele se vira para o chinês e pergunta:
- Desculpe-me,  mas o senhor acha mesmo que o seu defunto virá comer o  arroz?
E o chinês responde:
- Sim, geralmente na mesma hora em que o seu vem cheirar as flores!
 



"Respeitar as opções do outro "em qualquer aspecto" é uma das maiores virtudes que um ser humano pode ter. As pessoas são diferentes, agem diferente e pensam diferente.
Nunca julgue. Apenas compreenda".